terça-feira, 22 de junho de 2010

Memórias benéficas

Quando Eusébio era insuperável


por SANTIAGO SEGUROLA, director-adjunto da Marca
As pessoas da minha geração - finais dos anos 50 - recordam o choque que causou o esmagador começo da Coreia do Norte frente a Portugal no Mundial de 1966. Em Espanha tínhamos acabado de tornar o Benfica num mito, porque terminara com a hegemonia do Real Madrid na Taça dos Campeões Europeus. Era uma Espanha de exilados, emigrantes, pobres, uma ditadura, um país que só podia orgulhar-se das vitórias da aquela equipa inesquecível, encabeçada por Di Stéfano e Puskas. Só os ricos tinham televisão. Para a nossa geração, o futebol aprendia-se na rua e na rádio. A minha memória infantil evoca nomes míticos, jogadores que não via mas que pareciam omnipresentes nos relatos radiofónicos. Eusébio foi o primeiro deles. Os comentadores espanhóis mudavam o tom de voz quando pegava na bola. Produzia uma sensação imediata de ameaça, logo captada pelo narrador, atormentado pelas diabruras do jogador do Benfica. Para muitas crianças espanholas, Eusébio era o verdadeiro Pelé. A estrela brasileira representava um mito longínquo, um estrangeiro. Eusébio era um vizinho, um Deus fulgurante que só encontrava antídoto no Barça e no Real Madrid.
O seu nome regressa agora à lembrança, depois da nova esmagadora vitória de Portugal sobre a Coreia do Norte, num jogo que não teve, contudo, nenhuma das situações épicas do duelo de 1966. Naquela tarde, nós, os jovens, escutámos estupefactos os golos da inquietante equipa asiática. Nada menos que três marcados à equipa de Coluna, José Augusto, Torres, Eusébio e Simões. Para quem associava essa linha avançada ao melhor do futebol, era impossível compreender a magnitude da tragédia. Desse tipo de situações só se sai se tiveres um herói nas tua fileiras. Foi assim que chegaram, um a um, os golos de Eusébio. Marcou quatro num dos jogos mais memoráveis da história dos Mundiais. Para Portugal significou a felicidade e a consagração daquela maravilhosa equipa. Em Espanha, uma criança decretou que nenhum jogador podia comparar-se com Eusébio. Nem sequer Pelé.

artigo publicado na edição de hoje do Diário de Notícias

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